Quebrando ovos para fazer omelete: evento em homenagem à Walkyria Monte Mór

 

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/team-people-work-creatively-together-building-126150599
Imagem por Jesus Sanz do Shutterstock

 

 

Muito antes dos estudos de letramentos adentrarem o Brasil, Walkyria Monte Mór já tinha um sonho – o sonho de desenvolver um projeto de âmbito nacional (e quem sabe com parceria internacional) como exercício entoando uma educação diferenciada na formação do cidadão. A autora já vinha ensaiando experiências pouco convencionais em suas aulas da graduação1, as quais repercutiriam anos depois nas aulas de pós-graduação e nas orientações das pesquisas de seus alunos. Influenciada pelo DNA da filosofia da educação (SAVIANI, 2000), educação crítica (FREIRE, 2005), ruptura (RICOEUR, 1978) de ciclos interpretativos consagrados, desconstrução (DERRIDA, 2013), dentre inúmeros outros conceitos, Monte Mór começa a quebrar ovos com vistas a fazer omelete com seus alunos, alguns colegas e autoridades, sem a certeza que normalmente se espera de projetos dessa natureza, mas com lucidez nas ponderações e pulsão incondicional de fazer amigos por onde passou e passa. É que a premissa de quem “atira no que vê e acerta no que não vê”, um dos pressupostos de sua visão de mundo, fundamentava suas relações, incluindo aquelas com seu interlocutor de todos os momentos, seu esposo, Sylvio Zilber, e também com Ruska, Tita, Tuco e Alfredo - aos quais agradecemos profundamente por cederem parte desses momentos a nossa formação - e os temas que vinha pesquisando, a saber: educação linguística, novos letramentos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2005), multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2000),letramento crítico (MUSPRATT, LUKE, FREEBODY, 1997; JANKS, 2010; CERVETTI, PARDALES, DAMICO, 2001, entre outros), tecnologia e cultura dialogando com as demandas sociais atuais para ensino, aprendizagem e formação de professores de línguas estrangeiras e, mais recentemente, de línguas em geral.


Ao longo de sua carreira, Monte Mór conciliou dois assuntos que considera cruciais para compreender historicamente a discrepância existente entre escola e sociedade e não hesitar em reinventar a inseparabilidade da teoria-prática. “Se há um dominante é porque o dominado está deixando” constitui-se como uma das percepções do que entende como crise, que estabelece uma interface com o crítico, relembrando as lições de Ricoeur (1978). Monte Mór entende que não há obrigatoriedade para apenas negativar a crise na coletividade, pois a crise seria uma oportunidade dentro de uma perspectiva de letramento crítico. Perspicazmente, ela se apropriou do conceito de habitus de Bourdieu (1994) e criou uma analogia articulando uma mudança no habitus interpretativo (MONTE MÓR, 2007), orientado pela abertura ao pensamento complexo (MORIN, 2015) e o vozeamento de outros discursos e de outros fazeres. Seguiu problematizando o loteamento do conhecimento e as epistemologias (neo)liberais centradas no balanço supostamente vigoroso entre natureza X cultura; branco X indígena, etc. Ousamos dizer que ela foi desenvolvedora de uma estratégia que alterou o conceito de desafio, como algo pesado, para a leveza das possibilidades. Um exemplo profícuo disso é que, sem contar com agência de fomento para seus projetos, com seu parceiro acadêmico Menezes de Souza, escolheu navegar por águas mais virgens, democratizando o interesse e disponibilidade de participantes voluntários no Projeto Nacional (PN), algo que os modelos (neo)liberais podem/devem aprender.


Nesse projeto, Monte Mór vem engenhosamente transgredindo os costumes, correndo riscos, abordando as diferenças em meio às semelhanças, promovendo elegantemente trocas nos espaços de debates difíceis (complexos), ora desmontando hierarquias rígidas como as de “Educating Rita”, ora fazendo jus ao seu bem-humorado jeito de fazer provocações, como “há um jesuíta em cada professor”. Como alguém que autocriticamente reconhece os paradoxos, a ambiguidade e a incompletude do conhecimento, exercitou formas vibrantes de intersubjetividade em toadas que lembram muito o seguinte modus vivendi: “Eu te ensino a fazer renda, tu me ensinas a namorar.” E quando um impasse de qualquer natureza é gerado? Fácil! Para ela, é questão de fortalecer o pensamento estratégico e orientar a construção de sentido no que viria a compor parte daquilo que chama de autoria e agência. As múltiplas autorias, assim, podem emergir porque há espaço distribuído democraticamente na construção de sentido e na agência compartilhada que Monte Mór promove.


Fruto de um trabalho colaborativo, o Projeto Nacional de Formação de Professores nas Teorias de Novos Letramentos e Multiletramentos: o ensino crítico de línguas estrangeiras na escola (ciclo I) que hoje intitula-se Projeto Nacional de letramentos: Linguagem, Cultura, Educação e Tecnologia / National Project on Literacies: Language, Culture, Education and Technology (ciclo II), visa a contribuir para a formação básica de professores em pré-serviço e para a formação contínua de professores em serviço. Tem como tema principal o estudo das ações de linguagem na formação de professores e alunos que reflitam criticamente sobre o e no contexto escolar. A ênfase está na constituição de agentes críticos e cidadãos, com foco na relação linguagem-educação em contextos específicos.


O espírito transgressor e visionário se ramificou no grupo do Projeto Nacional (PN) deixando e abrindo rastros que, hoje, são visíveis no Brasil e em contextos internacionais como insumos para o desenvolvimento das ciências humanas em diálogo com outras áreas (como a tecnologia da inovação), bem como para a relevância social e econômica do país. O compromisso com uma educação ampliada e inovadora com vistas à compreensão das questões cruciais locais-globais requer também formação docente e pesquisas responsivas a tais questões, uma prática que o PN vem engendrando transdisciplinarmente com expressivo sucesso.


Dentre as muitas conquistas, Monte Mór é coautora das Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Línguas Estrangeiras; autora dos Cadernos de Orientações Didáticas para EJA – Línguas Estrangeiras; co-coordenou o projeto Brazil-Canada Knowledge Exchange (BRCAKE), e co-coordena o Project on Knowledge Exchange and Research: Literacies and Languages in Teacher Education, firmado em parceria com a Universidade de Illinois (EUA)6. O Projeto Nacional (ciclos I e II) vem sendo considerado um dos mais importantes pelo Departamento de Letras Modernas, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).


A ex-aluna de Freire nos capacita para uma espécie de Think-and-Do-Tanks da educação linguística crítica e nos incentiva, cuidando para desaprender e reaprender num futuro que é agora, digital, mas bem humano. Esse evento é em sua homenagem!
 
Comissão Científica

 

Conteúdos disponíveis:

Sobre agência, autoria, e teorias decoloniais ou Você não sabe com quem está falando? Apresentação de abertura do prof. Lynn Mário T. Menezes de Souza: clique aqui.

Língua, Capitalismo, Colonialismo: por uma História Crítica. Mini-curso ministrado pela profª Monica Heller. Disponível aqui.

Mary Kalantzis e Bill Cope falam on-line em uma conferência em homenagem a sua querida colega Walkyria Monte Mór. A conferências está publicada na plataforma Scholar.

Caderno de resumos, aqui.

 

O IV Encontro do Projeto Nacional ocorrei entre os dias 01 de abril e 04 de abril de 2019.